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Reformar a casa é reorganizar a psique

  • Foto do escritor: blogdacele
    blogdacele
  • 21 de abr.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 26 de abr.


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Sempre digo que um ambiente caótico reflete o caos do nosso mundo interno. Não sou dona da verdade, mas reconheço em mim uma sensibilidade que me permite perceber dimensões invisíveis que muitas vezes passam despercebidas para outros. Talvez isso venha, em parte, da minha criação: cresci com uma mãe amorosa, extremamente criativa e, justamente por isso, um tanto caótica na organização dos espaços.

É possível que minha memória infantil — exigente em beleza e perfeição — tenha acentuado essa percepção. Ainda assim, essa experiência, de ver setores da casa e armários se tornarem áreas de acúmulo, foi determinante para meu interesse pela organização e pelo projeto de interiores. Foi, de certa forma, minha salvação, ao lado do crochê, que aprendi aos oito anos com uma vizinha muito querida, com quem mantenho contato até hoje. O crochê, que começou com roupas de bonecas, tornou-se um canal criativo que ainda hoje nutre minha alma.

Agradeço a todas as pessoas que, como ela, contribuíram para meu desenvolvimento — e, especialmente, à minha mãe, que, mesmo através da sua desorganização, me ensinou a importância da organização e da beleza, e sempre incentivou minha expressão artística (inclusive quando eu desenhava livremente nas paredes de casa!). Foi ela quem me ensinou, acima de tudo, a valorizar meus sentimentos e a coragem de ser criativa.

Nessa trajetória, o caminho do autoconhecimento surgiu de forma natural, a partir da valorização da minha jornada interior. Como pessoa introspectiva, enfrentar o desafio de se adaptar a um mundo externo acelerado e materialista foi — e continua sendo — uma tarefa complexa. Com o tempo, compreendi que o equilíbrio entre as influências internas e externas se constrói gradualmente. E que a terapia salva — seja pela fala, pelo corpo ou pela arte.

Essa compreensão é a mesma que levo para meu trabalho na arquitetura de interiores. Cada projeto é um processo. Requer tempo, escuta e sensibilidade para entender as necessidades, prioridades e desejos do cliente — muito além da técnica. Mas que tempo é esse? O tempo da consciência individual de cada ser. Vivemos numa sociedade que valoriza a rapidez, os números e os resultados imediatos, enquanto negligencia o tempo essencial dos processos humanos. E no mercado de arquitetura não é diferente — embora devesse ser, principalmente quando lidamos com o direito básico de uma pessoa: o de habitar um espaço que seja verdadeiramente seu.

Ser arquiteta de interiores é, para mim, honrar o processo do cliente em toda a sua complexidade. O projeto nasce da escuta, cresce na interação e se realiza na confiança mútua.

O arquiteto, assim como o analista, é um facilitador terapêutico: é necessário recuar o próprio ego para adentrar no mundo dos desejos e necessidades do outro. Mais do que visualizar espaços, é preciso escutar com profundidade para transformar anseios internos em soluções concretas. O cliente, por sua vez, precisa confiar — e é nessa confiança que o invisível se revela, fortalecendo o vínculo transformador entre arquiteto e cliente.

Durante o projeto e a obra, o relacionamento se densifica. Lidar com recursos materiais e afetivos exige não apenas competência técnica, mas maturidade emocional. O simbólico está presente em todas as etapas: na primeira conversa, nos primeiros desenhos, nas escolhas de materiais, nas cores, nas formas... até o momento da obra, em que muitas vezes o cliente se depara com dúvidas e angústias que não haviam sido verbalizadas. E está tudo bem. A obra é um espaço vivo de transformação, onde mudanças ainda podem (e devem) acontecer.

Essa dinâmica é profundamente terapêutica: o cliente projeta inconscientemente aspectos seus no espaço, e o arquiteto precisa estar atento, ouvindo além das palavras. Tudo se move através de perguntas e escuta ativa.

Ao final do processo, o arquiteto precisa se desapegar da obra, assim como o analista se desapega de seu paciente. O espaço agora pertence ao cliente: é ele quem vai habitá-lo, preenchê-lo com seus afetos, objetos e histórias. O projeto, como a análise, conduz a um encontro mais autêntico consigo mesmo.

Construir ou reformar um espaço é sempre mais do que erguer paredes: é criar um ambiente onde a psique possa florescer. É confiar não apenas no arquiteto, mas no mistério da própria alma — no diálogo entre consciente e inconsciente.

Quando conseguimos nos relacionar de maneira mais profunda conosco, naturalmente refletimos isso nas nossas relações e no espaço que nos acolhe. Desenhar o que se deseja é um ato de coragem e de amor próprio — e poder contar com alguém para acompanhar essa construção faz toda a diferença.

Se este texto tocou você de alguma forma, comente! Vamos ampliar juntos este diálogo entre arquitetura, psique e vida. ✨


Por Marcele VasconcelosArquiteta e Analista Junguiana

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